quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

(Imagem: Paulo Nozolino: Espoliados, Madrid, 2003) PAISAGEM SEM PELE


Exilados da pele.
perfilam-se ausentes os corpos nos coágulos de sombra ao dependuro nos cabides tão pouco amorosos do nosso tempo.
Excluídos do tacto.
nas paredes cruas a desfazerem-se como bocas de cal,
resta a parede rugosa esfarelando-se como papel de cenário demorando-se
entre vazios e vestígios.
Espoliados da carne.
somente uma fiada de casacos como açudes retendo as faúlhas iminentes
do crematório final.
no chão ruinoso e a mingar espalha-se a luz e o lume
e acima do chão os casacos não são marcas de luto
são a cruel paisagem sem pele,
paisagem da morte que já roeu os ossos
e aguarda a decomposição dos tecidos e da triangular madeira que os mantém
até que se tornem pedra e mortalmente tombem
iguais a estéreis e fétidos túmulos.
Evadidos da matéria.
os casacos mostram apenas como os corpos que os vestiram
se afeiçoavam à morte exibindo o desamor dos lutos.
Expatriados do ser.
close-up: a parede no lugar da pele.
luís filipe pereira

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

POEMA MEU ESCRITO EM AMARANTE HÁ MAIS DE 10 ANOS, reabilitado pela Prof.ª Dr.ª I. Clemente (imagem Joana Vasconcelos)


Será que se lembra disto? Será que o guardou? Que o não perdeu? (professora I. Clemente)




Sombra

caverna ainda

muda plenitude de uma folha

em branco


Sobre o Tâmega debruçado

um olhar perfurado

pela ardência da página

pelo peso

inefável do branco


Sob a crispada orla

de um lápis

gritos de formas

aquietam-se

e precipitam-se

numa vetigem de sombra


no miolo des

feito

dessa cumplicidade branca


branco em branco

a sombra

o grito riscado

a fissura de uns lábios de rio

numa visão táctil


branco

branco

(brancosombra)

já manchado da castanha tinta

afiada em cascatas

afluindo de pupilas apagadas.


Chamou-lhes, a este e aos outros, "seis arremedos de poemas" (Professora I. Clemente).



luís filipe pereira