imagem: Robert Frank
espécie de porto onde pode a pele
rasgar do horizonte o leme das feridas
as cúpulas das cicatrizes,
e então encontrar a resiliente ruína,
esse vazio de náufrago vertido na página
em que houvesse o poema desertado da harmonia.
Uma estrada nascendo da poeira,
da pura ciência das cinzas,
onde os nomes eram percutidos pelos martelos do esquecimento,
prévios ao modular-se da vida pelos sulcos da manhã
ao mar virados, ao aoitecer das âncoras.
Era uma estrada de silêncio
a desfolhar-se na locomoção dura das horas
como se em páginas pronunciadas pela verbal cal do vento,
nela emudeciam as rosas e o vinho
como se morresse o seu eco
muito rente ao descaminho minucioso dos dedos.
Como nela envelheciam os frutos e as fogueiras,
como nela se extinguiam os emblemas das flutuações da água
que empurram as palavras para o coração da cor
e, liquidamente, do ardor do alento.
Nela porém o poema ousará o crime de erigir novas cicatrizes,
descuidando do clamor dos astros e das direcções amantes,
porque o poema debate-se nas cinzas
opera vagarosamente,
move as suas mãos mandibulares ao longo da letargia,
ao leme da sabedoria do silêncio,
lábio que tremula.
luís filipe pereira