Exilados da pele.
perfilam-se ausentes os corpos nos coágulos de sombra ao dependuro nos cabides tão pouco amorosos do nosso tempo.
Excluídos do tacto.
nas paredes cruas a desfazerem-se como bocas de cal,
resta a parede rugosa esfarelando-se como papel de cenário demorando-se
entre vazios e vestígios.
Espoliados da carne.
somente uma fiada de casacos como açudes retendo as faúlhas iminentes
do crematório final.
no chão ruinoso e a mingar espalha-se a luz e o lume
e acima do chão os casacos não são marcas de luto
são a cruel paisagem sem pele,
paisagem da morte que já roeu os ossos
e aguarda a decomposição dos tecidos e da triangular madeira que os mantém
até que se tornem pedra e mortalmente tombem
iguais a estéreis e fétidos túmulos.
Evadidos da matéria.
os casacos mostram apenas como os corpos que os vestiram
se afeiçoavam à morte exibindo o desamor dos lutos.
Expatriados do ser.
close-up: a parede no lugar da pele.
luís filipe pereira
6 comentários:
Apetece-me dizer:
Casacos sem rosto, sem corpo, sem vida. Despidos da alma que os habita. Casacos, apenas casacos.
"Evadidos da matéria" que lhes dava propósito. A perfeição esbatida da união entre a utilidade e meta de um qualquer objecto é segurar o finito e indivisivel do seu portador. Excelente expressão de como em cada coisa nossa existe tanto de nós.
Mais um vez de parabéns.
V. Banza
Mais um Texto Fabuloso: excelente a ligação texto/imagem, a reinvenção da foto de Paulo Nozolino (a não perder a exposição do fotógrafo patente em Lx), um fotógrafo por quem o Luís Filipe revela, com grande saber e sentir, um justo fascínio, pois este seu espaço já nos brinda com outros textos alavancados em imagens do fotógrafo. Parabéns!
M. Cortez
Ao Professor de Francês
Ao Professor de Filosofia
Ao Professor de Literatura,
Ao Ródano,
Ao Amigo
"No coração da região valaisana, o Ródano não passa ainda de uma simples torrente que irrompe abundantemente da muralha azul do seu glaciar para iniciar uma corrida louca, rectilínea, através de vergéis, junto de vinhedos batidos pelo sol.
Nunca um rio se identificou menos profundamente com as regiões que atravessa. Delfinês mesmo do lado de Pierrelatte? Não. Contandino a jusante? Tb não. Na verdade, o Isère pertence ao Delfinado, o Sorgue ao condado de Venaissin, mas o Ródano deixa aos seus afluentes o regionalismo, o folclore.
Ele é movimento, espírito, princípio, está como que encerrado na ideia fixa do seu curso.
Há mesmo da sua parte como que uma recusa desses afluentes, que, no entanto, o alimentam, sem os quais não seria tão caudaloso. Já mais acima, à saída de Genéve, quando recebe o Arve, opõe durante bastante tempo a sua transparência a essa corrente lodosa que vem compartilhar o seu leito, o mesmo sucedendo em Lyon com o Saône, com o qual não se mistura imediatamente, oferecendo assim o espetáculo de uma justaposição de águas.
Repugnado, digamos mais exactamente, contrariado – sem rejeitarmos o sentido moral que se atribui a este termo – pelo afluente que vem lançar-se no seu leito.
É indomável!
Em certos locais, apenas se pode seguir o rio a passo acelerado, enquanto o vento, que sopra sempre do norte e que só toma o nome de "mistral" por alturas de Valence, acompanha as águas como se estas arrastassem o ar na sua fuga."
Como sabe, através do que escrevo, amo os rios e as árvores.
Estando a ler uma descrição do Rio Ródano, exclamei:
- Mas este é o Luís Filipe!
* Ele é movimento, espírito, princípio, está como que encerrado na ideia fixa do seu curso.
*Mas o Ródano deixa aos seus afluentes o regionalismo, o folclore.
*Repugnado, digamos mais exactamente, contrariado – sem rejeitarmos o sentido moral que se atribui a este termo – pelo afluente que vem lançar-se no seu leito.
Se tivesse talento para tal seria assim que o descreveria.
Como a sua Professora o conhece bem!
Quem o vê nas primeiras vezes, tímido, calado, tão introvertido!
E, depois,
Quando o lê
Não à primeira, nem à segunda vez
Mas muitas
Muitas vezes
E vai interiorizando hoje uma palavra
Amanhã outra palavra
- Les mots, toujours, les mots -
Que o LF vai saboreando com deleite, vestindo-se e despedindo-se nelas
e mais do que as ideias, as modas, as correntes de poesia, aí está Ele, indomável, sozinho mas não solitário, e nós, tentanto compreendê-lo,
Tentando lê-lo,
Tentando….
Tentando....
Com muita admiração,
Sani
Esplendoroso, disfórico como a poética fotográfica de Paulo Nozolino, mas tão verdadeiro este texto, tão tocante. Obrigado.
S. Dias
SOBERBO!Obrigado Filipe.
H. Cadete
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