sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Ilustração de Mónica Cunha (que generosamente a artista me dedica) & um poema em dia-logos


Para a Mónica Cunha,

Felinos fluviais os teus olhos estuam
nas silenciosas esquinas que
refazem a carícia do rosto
quando intacta é ainda a pele
dos caminhos

dos pólenes
por inventar.

Tens o caminho nos teus olhos
e um verde rio farejado
pelo pé em meditativo salto
sobre o poço aromático
em precária levitação.

Aos teus olhos nenhuma venda os detém
porque rasgam o desconhecido
e nenhum enigma mais extenuado que um nome
pode travar os seus verdes passos
esgueirando-se da moldura ao encontro
das fluidas margens da frescura:
eis um passo a anunciar um passo
rente aos bálsamos dos caudais
de um cego chão

iminente
prometido.

Oscila o horizonte a cada passo teu
levitando nas antevésperas da locomoção.
Sempre um pouco mais.
Porque os ombros do chão
já os trazes no desvão desacomodado dos olhos.

Avanças o pé onde uma frágil flor tatuada
está destinada a eclodir num sopro de estames
mal sintam os teus olhos antecipando sulcos
abrigos

na estropiada venda que espia
o claro cheiro de um chão.
Porque outros trilhos duráveis
como pássaros tenazes
alternadamente desvendam
os dois insignes luzeiros das íris
instigando o pé a deslizar nas perfumadas
bermas doutros caminhos.

luís filipe Pereira

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Foto gentilmente oferecida pela escritora brasileira Paula Cajaty: folhas sobre o Rio de Janeiro



para Paula Cajaty

uma inscrição a sangue seco

na cinza do céu do Rio de Janeiro.

como se fosse um lamento de seiva sequiosa

de versos de verão.

dulcíssimas folhas esperguiçando-se

como refulgentes relógios de sol

escrevendo os trópicos aéreos

em que nasce a tremenda nostalgia.

folhas, feridas do outono, de almíscar e de amendoeira

em flor adiada.

erguem arcos de sol e salmos

entre os brancos baldios dos braços

na sua fecunda sede da flor.

são cálidas caligrafias como candeias solares

do intacto iodo e do sul infinito.

folhas, litorais do levante, de crescentes abismos

a meio do vento no meio-dia do céu.

luís filipe pereira