sexta-feira, 17 de outubro de 2008

17.10.08: ANIVERSÁRIO DE ANTÓNIO RAMOS ROSA: O MEU POEMA PARA ANTÓNIO RAMOS ROSA

(António Ramos Rosa, Fotografia de João silva)


“Olhar sem caminho em cheio
a tranquila onda muscular
paralela à mão aberta e livre”
António Ramos Rosa, “A Paixão do Ar” in A Construção do Corpo




PARABÉNS ANTÓNIO: o olhar de Ramos Rosa





O olhar de Ramos Rosa incita à viagem nos interstícios do invisível
num esquiador silêncio mergulha até às entranhas da página
e instaura o quiasma intérmino das puras figuras
Rasgão e juntura ao rés da secreta espera e da ignota seiva
no caminho sem rumo
rumo à lenta casa do poema
O fogo e a água irisam-se nos socalcos do terrear
abrigam-se no traço do corpo que estua na paleta do olhar
então a mulher é o flanco da casa que pigmenta o horizonte
O olhar de Ramos Rosa sangra na lonjura de pedra de um animal olhar
imóvel vai até ao espaço futuro da fonte
buscar uma linha errante no azul aroma do sema da ferida
Invenção do domínio das cores a prumo
retina a retina
mancha a mancha
pálpebra a pálpebra
captando a carnal energia do espaço de uma liminar frescura.
Onde o saber deste olhar? Sabor aéreo sabor subterrâneo
umbilical perspectiva no pulso do olhar
que em si guarda as infraestruturas lídimas da paixão do Ser
O olhar de Ramos Rosa onde o gesto principia
e desenha o rosto da cinza sob o olhar do fogo
que dança irrompe na cavidade do ver?
que luz se completa na fenda selvagem?
que palavra nasce dentro desse olhar?
Rastro e astro de silêncio
olhar de sede
elementar
então o visível é a anunciação do invisível
no subtil desvio da mão como a origem entrevista



luís filipe pereira

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

(imagem:Filipa Amaral "Black and orange composition 02 with cuts") A CASA DO POEMA


A CASA DO POEMA
Qual comboio rápido nos carris espaçados
Entre foragidas aves a perder de vista e negras linhas do adeus
A casa vazia nocturna e vasta morde a ínfima espiral da memória
Como se respondesse à deslocação do verbo sob as unhas
Seus olhos dão-me um remo os meus dão-lhe a estilística do mar
Se descer as escadas ouço as aves a beber a lua amarrada ao poço
E vejo o gelo a atear o que escrevo
E devora-me a casa com o seu peremptório frio de escombros

Igual ao comboio rápida a casa partiu para só regressar por alturas da solidão
- Há um mar a arder por trás do muro
Uma flor a desabrochar negra asa cântico de morte
Sonâmbula liturgia na boca da noite -

Se descer ao silêncio despedaçam-se as varandas que alçam os ossos e a voz
E vejo o tronco do ar e tranco na minha garganta a sua sombra esguia
O caminho até à janela é a distância de uma palavra sublime fruto submerso voo
Cada parede cada esquina cada palavra cega tudo apeadeiros em fuga
Tudo divisões remendadas rasando os confins da morte na falha adiantada do amor

luís filipe pereira