quinta-feira, 17 de junho de 2010

E É DE NOVO VERÃO NA VARANDA DO VERBO

(Imagem: A. Tàpies)
post-scriptum_ dedico, in memoriam,
este poema a José Saramago:
"o sentido não é capaz de permanecer quieto,
fervilha de sentidos segundos, terceiros e quartos,
de direcções irradiantes que se vão dividindo e
subdividindo em ramos e ramilhos,
até se perderem de vista"
(in Todos os Nomes)
E sob a sombra das imagens
Entre espuma negra
Adejam
Como nomes nus
Em estrofe lentíssima
Os calcanhares
E emplumam-se
Cheios de bocas
De barcos
De bosques
Rescendendo
Bravios
Com aves
Concêntricas
Entrelaçadas
E desejo-te
Desde o sanguíneo sargaço
A desenhar-me a pele
Com bátegas de búzios
Com limos de lume
Erguendo-se
Erosivos
Como um tráfego de feridas
Que fugisse do tempo
E o leme da pele
É uma linha
_____________
De linguagem
A parecer um mar
Que ao passar pela respiração
Se rasgasse
Manso
Violentamente
Só de repetir a matéria
Do grito mais rente
Na manhã repentina
Como se em seu ressoar
Encontrasse o mundo
O espaço duma estrela
Coada em verso que escrevesse
A escalada duma voz
Noutra voz
E espécie de gravitação
Entre as roucas rosas
Sempre sós
Em vermelha radiação
Ou estelar gramática
Esvaziada de pedras
De palavras
Ou este tremor de desejar-te
A talhar-me os dedos
A debater os cegos mastros
Entre a espuma
Memoriando-os
Sobre os passos
E é de novo verão
Porque mais nua a noite
Dos nomes
E devagar
Um rumor em resposta
Doridamente
Desde os calcanhares
À luz sôfrega
Que vem da sede
E suponho ser solidão
Da carne intocada
Da consciência inerente
A perder o pé
No caminho
luís filipe pereira