domingo, 20 de dezembro de 2009

WILL IT EVER END?

(Imagem: end of concert de manuel luis Cochofel, a quem dedico este poema)
Plácidos pistos, cujos sonhos
convergem para a pedra
das sonoridades,
ou à volta da tuba fluvial
do fragílimo tempo havido,
vão ateando a cóclea das nuvens,
como à flor eterna do estribo vão,
ou as soltas cinturas ensombradas
no capilar espaço do som,
Esvaziadas pelo vento
cegas mãos
ao longo das água da véspera deslizam
a sua aspereza de cinza,
ou de chuva obliquando
até ao oval canal da ausência,
tingidas da musical margem tacteiam
a lonjura trémula dos lábios,
ou prólogos a oxidar céu adentro
tão rentes estão da orla do rumor,
Demoradamente sentado
à boca de bigorna displiciente
o eco estende-se e espelha-se
infinitamente,
repercutindo o som no som,
repicando a chuva na chuva
Resta uma curva a refluir rútila,
a cercear com sebes
de libérrima sede
o lume da linha,
ou o ouvido ubíquo a estuar
pelo mais adiante da negra transparência
sobrando do que em nós é sopro.
luís filipe pereira

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

PERCURSO (a partir da Fotografia de Mafalda Mimoso: ethereal love(rs))




somente chegar
ao promontório dos lentos lenhos
da língua,
margear o destemor dos destroços
aéreos
da música:
chegar ao limiar do vento.
com o mar
pudesse eu obliquar
para as vértebras primeiras das ervas
aprumando-se até à uníssona traqueia
de esguios troncos de lume
em que enlouquecêssemos
numa veia de luz.
somente esta vontade de ver
em teus lábios,
iguais a frágeis bagas do fogo mais bravio,
destilar-se a verde espiral dos dias eriçados.
segredar a esmo as eiras de sede dos desertos
e ficar, inexterminavelmente, voltado,
como árvore horizontal
na chama do horizonte,
para a embocadura ébria dum verso.
permanecer em teus ramos
com pálpebras de vento
cingindo-nos.
somente chegar à ribanceira,
sem cordas,
e vencer o rio de terra da tua voz
à tona das rajadas,
atingir a mais arbustiva água:
sombra que desenhe o sabor
do fruto prometido.

luís filipe pereira

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

EPIGRAMA PARA UM ARCO DE ESPUMA


foto de luís filipe pereira

embica o vento para o vão das minhas veias

qual esboço de pássaro em des

equlíbrio

no versilibrismo lento das vozes litorais:

grânulos de lume,

somos à sede resgatados

até limiares de barcos que baloucem

nas razões, recentíssimas, das águas.


luís filipe pereira

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

NOCTURNO

pintura de Gracinda Candeias: "sem título"/1990
com um compasso,
num vaivém imóvel
de lentíssimo rio,
desenho um sol
dentro da noite
que em meus dedos
anoitece,
cansada de ser noite.
aponto às constelações,
na raiz da escuridão rasurada
como réptil errante,
a agulha, o carvão.
concebo um sol,
uma máquina de luz
ou uma fieira
fragílima
de radículas:
algo que abra
a extinta boca
da lava extraviada.
com o círculo a meio
hesito.
poderia fazer recuar a agulha
avançando a lasca de carvão
para retocar a lua.

troco a hesitação pelo hábito
do sol que virá.
é o sol claro, a luz intrínseca,
a sua chama de sepultar os ossos
da noite que, vertiginosamente, desejo,
desenhando-o.
é o sol largo: lábio devasso,
minuete descompassado.
só ele apagará a ausência,
a dor que ela espanca em pleno vento.

sei que a flâmula da noite
está agora emoldurada
de uma angústia diferente:
reverbera rente ao sol
concebido a compasso
um vento mais emudecido.

só quis queimar essa ausência
nas imediações do lume,
no diâmetro livre da luz.
sei que foi em vão.

luís filipe pereira

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

LANÇAMENTO DO LIVRO RENTE À MEMÓRIA (Contos e uma Novela) DE FERNANDA APOLINÁRIO





bado, dia 31 de Outubro, pelas 16.30, no Fórum Municipal Romeu Correia/ Almada, tive o enorme prazer de fazer a apresentação do livro (para o qual redigi o Posfácio) RENTE À MEMÓRIA da autora Fernanda Apolinário.


Agradeço em meu nome e em nome da autora a todos quantos puderam estar presentes, assistindo ao nascer de um livro que traz para o território da literatura uma ficcionalização inovadora da temática da memória, num evento que, estou certo, ficará cerzido na memória de cada um de nós.


Conto a conto, a autora procura, a partir de fundas vivências, dar a ver aos leitores a polpa da realidade memoriada: uma realidade que nos é oferecida através de uma escrita sensível, humanista e epidérmica: a memória feita matéria de que somos feitos.


Tanto nos contos como na novela, que constituem o corpo narrativo da obra, Fernanda Apolinário apresenta-nos um caleidoscópio de memórias na sua exterioridade mais pura, em que o evocado - o tocado, o vislumbrado, o escutado, o cheirado, o saboreado, o dito e o silenciado - se torna rente; como se a autora, através de múltiplas vozes narrativas, se tornasse uma Penélope de «teias entrelaçadas», cujos fios se fazem da coragem de re-situar no literário a linguagem e a imagética dos afectos.

luís filipe pereira

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE O LANÇAMENTO DE "OS DEUSES NÃO MORAM AQUI" DE MARIA SATURNINO


Maria Saturnino brindou ontem todos os que tiveram oportunidade de testemunhar o advento do seu segundo livro OS DEUSES NÃO MORAM AQUI com uma mágica sinédoque a entrelaçar margens: Algarve (Tavira) e Moçambique confluiram num delta afectuoso, senha prodigiosa para uma viagem a convocar os sentidos todos: os cheiros e os sons algarvios, as cores e os cheiros de África são-nos ofertados, de forma afectuosa, como memórias em acto, pelas narrativas desta autora.
Maria Saturnino embarca - com a sabedoria cristalina de quem se pergunta, para responder com um não incondicional e genuíno, "se seria a mesma pessoa sem os livros que li!" (p.15) -por dentro da errância, que é o emblema do fascínio pelo acto da escrita, de uma narratividade cujo tom deliberadamente coloquial toca o leitor, ao mesmo tempo que bebe da fonte imorredoura da «ficção do presente» (de um verso de Reinaldo Ferreira, cujo poema integral lemos na p. 138) e que se prende à oralidade rediviva, das mil e muitas histórias contadas à sombra do embondeiro, à sombra do tempo que, lento, lentíssimo, passa por e entre as histórias como se dobram e redobram os ramos, com a estatura do mundo, do embondeiro: erigido, aprumado, até aos confins dos céus. Em seu torno, a savana interminável, a aridez inomeável e incendiada,lugar onde o som se espraia sem encontrar ancoragem num eco, numa reverberação. Lugar onde não moram os deuses: lugar em que os deuses são sonhados ao ritmo do assombro e da coragem, lugar da falta, como o amor é lugar do desejo, lugar do que escapa à "pálida razão" (Rimbaud), porque sementeira da vida a haver, do mundo mais humanizado a construir, do mundo mais plural a conjugar.
"Às vezes olhava pensativamente para o Monte, e eu perguntava-lhe quem morava lá em cima, ao que me respondia misteriosamente baixando a voz: - Os deuses, minha filha, são os deuses! Enquanto percorrera a savana africana sem ver viva alma, só capim e micaias, pensava:
-Os deuses não moram aqui!" (p. 158): Ideia matricial (matriz do Romance por vir como prometeu a autora) deste livro e, exemplarmente, figurada na fotografia da capa do livro da autoria de Fernando Ribeiro.
Parabéns Maria Saturnino. Que belo o lugar que é o seu no panorama literário: Um lugar fraterno, profundamente humanista" (Lê-se no Prefácio da Professora Doutora Olga Iglésias), um lugar a que me permito chamar, em mimésis do seu primeiro livro, Entre Margens.
Luís Filipe Pereira

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

AZUL ÓSSEO

(Este meu poema acaba de ser publicado na Revista de Poesia Saudade: n.º 11, Junho, 2009. A oportunidade de voltar a colaborar em tão prestigiada Revista surgiu do convite do Poeta António José Queirós, director da mesma, a partir do seguinte repto temático: O Azul. Além do poema que aqui partilho com todos os meus generosos leitores e intertextuantes, permito-me destacar a colaboração neste número da revista de Poetas como Amadeu Baptista, Ana Luísa Amaral, A. Cândido Franco, António Salvado, Fernando Grade, Fernando Pinto do Amaral, João Rui de Sousa, Jorge Reis-Sá, Luís Quintais, Pedro Sena-Lino, Pompeu Miguel Martins, Xosé Lois García, entre vários outros)
Correm-me os ossos antes do cristal
e da fuligem
Desaprendo o meu rosto na fronteira
do espelho
em que lavam os homens o sorriso
ou outra coisa que não a face.
No fémur no esterno da página de mim
encontro um animal fulminado,
sua azul cartilagem de extinto hélio
exposta igual a ninhos de aço
Os ossos a trote num vão retardamento
de galope
fervem no cálcio calcinado
de faíscas
de fisgas
de relâmpagos.
A luz ausenta-se do espelho
esquia a seara
alçando-se na incerta parte
do fogo que usurpa a noite pela casa
O tempo azul recua em mim
caranguejo a cegar os meus passos
Submeto-me às suas inclementes paliçadas
às suas garras
às suas jaulas.
Se os ossos trepassem os caules
emboscados pelo vento
apodreceriam os frutos
num celeiro de carne
numa eira de cinza
ceifada por muros
por musgos.
Herdei os ossos e com eles a morte
para nela habitar
no horizonte das lajes em que os ossos
por muito que corram,
cavalos a subirem-me as entranhas,
já não projectam a cor audível
de uma sombra.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

POR UM TRIZ UM NÁUFRAGO

(pintura de Carmo Pólvora)

singra um brilho de barco.
sobre a água sobe uma espada
sob a ponta da proa.
declinam degraus
até ao convés.

um riso de dor,
a ruir,
rasga as cordas
na flor da boca
derradeira.

estrelas violentas a afogar
a voz.
veias que abarcam
o tamanho das chagas
tombam,
a estibordo das pálpebras
flageladas.

as quilhas nas algibeiras:
farrapos que se tragam.
bocas que bebem,
até ao fim,
bóias devastadas,
vermelhas bolinas
por fora do sangue.

azula-se a braçada
a cada braçada.

mas corpo algum abandona
a cabeça do grito
a sacudir cabos de sal,
até à praia.
luís filipe pereira

segunda-feira, 6 de julho de 2009

AXIOMA 1: DOIS PONTOS DEFINEM UMA RECTA

imagem: Edward Hopper: Freight car at Truro/1931

Pesadas como ossos atrelados
às carruagens do universo,
as minhas pálpebras silvam
contra as desmentidas claridades.

Se ao menos um cavalo de espigas
corresse nos campos de granito.

Adormecem nos carris as ávidas
giestas dos meus olhos,
ao invés dos apeadeiros.
Longe lamentam-se os rebanhos,
rondando rosas e cisternas
riscadas de cor lentíssima.

O exílio de ver-te em fuga pelas
fronteiras fere-me no horizonte
da hospitalidade dos teus alvéolos.

Se ao menos experimentasse
escadas entre os escombros.

Um eco de visão transporta-me
ao centro dos amarelos cascos
desta fome de falcão que, no alto
da cal, cabisbaixo, te contempla.

Se ao menos um girassol de sangue
alvorecesse nas ervas estelares.
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luís filipe pereira

terça-feira, 30 de junho de 2009

hors-texte: 5 APONTAMENTOS UMBILICAIS (meu poema publicado na revista Umbigo)


Na comemoração do Sétimo ano de publicações da Revista Umbigo, eis que partilho com os os tertextuantes deste blog "Intertextualidades: estou vivo e escrevo sol" o meu poema aí publicado - 5 apontamentos umbilicais (poema com um cambiante erótico muito vincado) - deixando-vos um dos "Apontamentos", porventura acordando o gosto para que leiam na Revista os outros 4 e apreciem a bela ilustração ao poema de Ana Costa, numa revista com inúmeros motivos de interesse: permito-me destacar as matérias sobre Cruzeiro Seixas e Fernanda Fragateiro e, sobremaneira, a entrevista ao fotógrafo Paulo Nozolino (cujas fotos já inspiraram vários textos meus neste blog).

Eis um dos Apontamentos Umbilicais, para vocês:

3.
corre o sol nos meus dedos se pouso a língua
no teu corpo.
mudam de rumo os pássaros nesta sede
toda grito toda pressa
a prumo nos teus braços.

luís filipe pereira

segunda-feira, 22 de junho de 2009

À CONDIÇÃO ESTE ENUNCIADO



Se a orquídea branca
viesse agora florir na orla
aberta dos meus braços
sem que percebesse,
absorto apenas
no evoluir de estames,
abriria as mãos
para desferir o vento
que timbrasse a brusca voz
em tingida estrofe,
quase queda quase caminho,
qual nome que virasse nuvem
à volta do meu tronco,
que cruzasse descruzasse
os meus dedos perceptíveis
entre estreladas pétalas
por todos os lados
Se a orquídea branca
viesse agora florir
rasparia o sol que roçasse
o meu corpo todo:
sólido tamanho de sépalas,
fugaz fogo ténue timbre,
indemne espaço que inventasse:
orquídea + estrofe = istmo orquestral.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

AGORA EM MEUS DEDOS ONTEM

(dedico este poema à Professora Doutora Isabel Clemente)
Imagem: E.Hopper
Do mar recebi, mansa como a maçã sobre a mesa,

uma epístola a franzir o farol fiel dos meus medos.

Cerrei a casa. Voltei para o centro da carne as cortinas.

Como versos as descosi depois. Agora, no seco sabor

em mim dançando, dedilho a rebentação das roídas

margens: de folhas, como feixes de dores e de esquinas,

em que espreito a cerzida derrocada das espumas.

Fechei o vento. Depois o vidro. O farol fiel estremeceu-me

as têmporas. Tenra, a maçã balança na trança epistolar:

agora é apenas a mesa e o medo: crepúsculo contra o crepúsculo.

No puro arbítrio das águas preparei no sangue a batalha.

Na polpa dos dedos tresleio agora o pretérito porvir de tudo.

Banhei-me no mar, lento levantando-me nas macieiras,

e ávido arredando-me dos baixios, para que um sol de bojo largo

permanecesse hausto e haste, agora e ontem, no lugar de sempre.
luís filipe pereira

domingo, 31 de maio de 2009

LARANJAS DE MAIO (dedico este poema a todos os que vieram até ao meu blog colher os frutos de maio)

imagem de joão Werner/2006


Amanhã

Quando vier o vento

Deslizar na ave de água

Adstrita à madrugada

Seguirei o som das laranjas
Sob o sol macio de maio


Amanhã

Quando cair a janela

Como folha desfeita

Na foz dos dedos

Encontrarei nas ervas

Uma jangada de verdura

Afagando-me os joelhos

Ficarei com os fios dos jardins
Amá-los-ei no poema com os periféricos
Pulmões dos nomes
Dóceis de árvores


Amanhã

Entre os gomos do mar

Cerca dos corais das laranjas lentas

E os polegares

Que inclinados no ígneo vento da voz

Irão percutir

Pingo a pingo

O bando de águas

Que virá beber

Nas cascas vazias

Dos meus bolsos
luís filipe pereira

quarta-feira, 20 de maio de 2009

VERDE FOGO DE FRUTO

imagem:
Magritte, «filho do homem», 1928




Árdua arde a árvore
Inclina-a o vento
Por detrás da língua


Estes versos são uma flâmula diluída
E dentro da lava verde vejo ao longe
Purpúreos os pulsos
Iguais a vespas requeimadas
Felizes de ser tão fácil o fogo

Peguei nos ramos e nas metáforas dos rios
Molhei-os com elas e neles fui escrevendo os frutos
Nos hortos húmidos da palma da mão
Nessa pátria de lume de palavras e pálpebras


Dentro do incêndio
Sou sangue incólume
Labareda ladeada pelo vento
Em que ocluso é o verso
Num sempre oblíquo
E sequioso olhar
luís filipe pereira

segunda-feira, 11 de maio de 2009

UM RIO EM MEUS OMBROS

IMAGEM: Henri Cartier-Bresson, 1952/Paris




dedico este poema à Poeta Fabrícia Muniz


Neste ombro de rio
Germina a noite as suas estrelas
Agarro-as com a lenta mão da chuva
Em cincos dedos doridos
de chumbo

Uma omoplata de água num arame
Que ondula e me oferece impalpável
O pulso

Neste ombro de rio
Que ponho nos meus ombros
Eu transfiro a traqueia do vazio

Mas a mão vê como um nervo mudo
Que nenhum rosto resta rente ao espelho
Quando esvoaça o alcatrão rumo às estrelas
Com a violência de um vulto
De uma vértebra
Que bóia vacilante na minha boca
Como um vagaroso círculo

Só neste ombro de rio
Na radícula de sede dos meus ombros
Livres límpidos
Lestos para a cinza
Coada no paladar da noite
Encontra a mão a memória na água inclinada
Subindo no que sobra de luz e de lume:
Torrões tardios como um tiro

luís filipe pereira


terça-feira, 28 de abril de 2009

BRANCO



cor da espera. das montras entaipadas. da mudez de um porto
submerso.
halo. bandeira despintada em peito aberto numa secura de esterno que não sangra.
roda.
roda do sono mais roda do que sono.
cor da extenuada tentativa de reter o riso num retrato onde se mede a distância.
o silêncio requeimado num estio de veias.
punção.
um solo de piano arranhando o contorno de um «por enquanto», o contorno
do som de uma lâmpada.
cor fria do que em nós carece de rima na linha estreme que é a véspera de dedos.
do que em nós carece de um grito. ou de um remo.
cor da ausência dos dias longos que marcavam no odor das atérias uma lua.
uma aritmética de ternuras com os números interiores da água.
branco.
essa cor do monólogo do remorso e do limo: a imobilidade.
branco.
os fios encontram o seu interior. cosem-nos enquanto a sombra é o peso
de continuarmos à espera.

luís filipe pereira

segunda-feira, 30 de março de 2009

Próximo dia 4 de Abril, apresento no Porto livro que prefaciei

O lançamento do livro "Diários" de Goretidias, que se realizará no dia 4 de Abril, contará com o acompanhamento musical do Quinteto de Metais do Conservatório de Música do Porto, sob a direcção do Maestro Rui Brito. A apresentação da obra ficará a cargo do escritor e Mestre em Teoria da Literatura Luís Filipe Pereira.

(local: quinta juvenil de joão bosco contumil perto de Campanhã, Porto, Portugal, 15h).

quarta-feira, 18 de março de 2009

LUAGRAFIA DOIS

imagem:
helena almeida



- talvez uma boca. o casebre cansado de uma boca devoluta. a insânia de um grito espumejando a sua indivisa sede. talvez a obscena mendicância nas esquinas roídas das ruas: uma lábil sanguinária para aguarelar um abrigo de lua na alvorada da noite?



na parede, um quadro: ramos curvilíneos derredor de uma fresta de mar, talvez também o borrão de um pássaro, ou talvez uma redonda penugem de lua aguada. os ramos melancolizados, como que teias frondejantes de tresmalhação.dentro dos troncos há igualmente um mar: seu viúvo desvario de desperdícios, seu comestível sargaço, sua vazão. possessos de esquecidos protestos, sem palavras nem cor, há uma parede, há um quadro, há um mar. aos olhos, espiados pelo quadro, responde o mar:


- entretanto há o mar.


entre tanto e tão pouco, os ramos insinuam-lhe uma duna compacta, crescendo para dentro dos veios da folhagem a parecer um arbusto. os olhos fitam a impertinente cinza, os lenhos sifilíticos no lugar de frutos. do quadro ausentes, respondem os frutos:


- há sempre outra coisa angulada a escapar aos anzóis do esperado. o lugar interior da expectativa é sinuoso, abandona nas mazelas de cada esquina os morosos intermediários.


noutro quadro, derredor do cortinado descendo o estuque, encavalgam-se postigos de desgarramento: fiascos industriais a silenciar o cavo chilro do esquizóptero pássaro, do outro quadro, o terceiro, à mão direita do cortinado: chifres antropófagos desmedindo-se dos prédios: varandas com vassalos crisântemos: varejeiras e taipais: cimento cal areia e saibro. eis a janela até ao limiar do grito soterrado nos olhos que percorrem telhados e a lua de esguelha.


súbito um avião a ressumar estrias de espaço, a furar o verniz das nuvens e logo a acetona do esquecimento a macerar os olhos com a lâmina do tempo.um compasso de espera. um compasso de queda no cavo entretanto de um mar.


talvez uma lâmpada a romper do asfalto. talvez um miradouro também.avessos à domesticidade, os olhos precipitam-se. liquefazem-se. intumescem. precipitam-se, ainda só na plataforma daqueda.os postigos permanecem presos às ruas. as trelas atam as rotundas umas às outras. os tejadilhos também idênticos. outros vidros igualmente pegados aos caixilhos com massa de arenito, com óleo de linhaça. vielas e becos nos hiatos doutras vielas e becos. a mesma lua:impenitente. talvez olhos parecidos, também inspeccionados por paredes e quadros, a sangrarem nas águas-furtadas das memórias, a esperarem um tempo tornado breve. iguais beijos no engate infeccioso sob as nuas árvores. encapuzados sigilosos. meias de licra preta no lugar dos rostos. outras luas assimétricas no pardo lugar dos olhos de animais, incontinentes de cio. reconhecíveis lucilações: a caligrafia misantropa do suão e dos poetas, o dominó das calçadas.


surdo grito talvez: liberdades iminentes a carregar a solidão.perguntam os olhos:


-quanto pesaria a queda do teu corpo

se nela cabe somente o mar?


perguntam os olhos:


- poderá o dia, passada a lua, reconvalescer de um glaucoma mais exacto que a vida?


luís filipe pereira

terça-feira, 3 de março de 2009

MINHA LEITURA DE UM POEMA DE ANTÓNIO RAMOS ROSA PUBLICADO NA REVISTA AUTOR

http://revistaautor.com/index.php?option=com_content&task=view&id=389&Itemid=1

Convido, pois meus afectuosos intertetuantes e amantes como eu da Poética de António Ramos Rosa a acederem, por via deste link, ao meu artigo - leitura de um poema de Ramos Rosa inserto na obra O Sol é Todo o Espaço - publicado na Revista Autor.

luís filipe pereira

sábado, 28 de fevereiro de 2009

UM PRODIGIOSO ECO d'A TELA DO MUNDO DA ESCRITORA MARIA SATURNINO

Lendo “A Tela do Mundo”

Leio e releio e, então, me enleio
Nas perplexas sendas das imagens verdadeiras
Apalpo, toco, e sinto
como cada incisão é fria e fulgurante
E como é indeciso o contorno de germinal analogia

Vejo, revejo mas não ensejo
Saltar o muro e a ponte no fôlego maculado e aberto
Da pedra que respira rompendo a página do vazio
Da volúpia em que vertical
O mundo se inicia


Escuto e não oiço
Procuro e não entendo
Os silêncios golpeados
Da obscura luz que devagar desce
Infinita o oblíquo bosque inclinado
Rente ao rasgado biombo do invisível.

Porque não tenho a adaga que atravessa a balança
Porque não tenho o corpo atalhado a outro corpo
Porque me perdi no espaço dos extremos intervalos do abismo
Porque…


Maria Saturnino
28.02.09

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

RECENSÃO A TELA DO MUNDO pela escritora/poeta brasileira Paula Cajaty

http://www.paulacajaty.com/

A tela de Lippe, atravessando um oceano de poesia-
Pereira, Luís Filipe. A tela do mundo. Capa: pintura de Laura Cesana. Portugal: DG Edições, 2008.
Uma obra de arte cinzelada em palavras. Assim é 'A tela do mundo' de Luís Filipe Pereira, poeta português de currículo invejável e rara sensibilidade poética, um poeta d'além-mar cuja obra tive o privilégio de conhecer.
O livro nasce de três axiomas: a força vivífica que se reflete da mesma origem, mas de modos diferenciados nas obras plásticas e literárias, abraçando a filosofia de Maurice Merleau-Ponty e Martin Heidegger, frente ao argumento poético de Antonio Ramos Rosa. Aliás, é em seu blog que Lippe ecoa o poeta português e lhe presta tributo, evocando em seu subtítulo um dos livros da obra ramos-rosiana: 'Estou vivo e escrevo sol'.
No entanto, nada disso traz pedantismos, jargões ou linguagens específicas e cifradas, mas apenas premissas teóricas sobre as quais repousa sua obra, e que levam os versos de Filipe a profundezas inimagináveis.
Lippe mistura em sua paleta, entre outros tons e sons, Paul Cézanne, Garcia Lorca, Juan Miró, Júlio Resende, Paul Klee, Magritte, Rothko, Antonio Ramos Rosa, Marc Chagall, Van Gogh, Frida Kahlo, Franz Marc e Edward Hopper, num desfilar de cores e intensidades.
Em sua tela é possível decifrar o motivo pelo qual a poesia se faz gênero para poucos. É que são realmente ínfimos aqueles dispostos e capazes de um mergulho tão fundo na existência - poucos são os eleitos para um voo tão alto ou têm conteúdo, força e conhecimento suficientes para gravar e perenizar o mundo, essa passagem.
O poeta parte do 'instante sempre de novo inacabado' e na sua 'paleta do tempo', inicia do vermelho e segue entre diversas imagens e cores para findar no próprio começo. Seu poema está 'no espaço não-capturado pela razão' e se colore de negro e branco para dizer, sempre e novamente, na 'lenta lentidão/de tudo o que não diz'.
Luís está no pólo oposto da ausência de sentido que sinaliza a arte poética pós-contemporânea, mas também não se restringe a apreender e retratar o que se vê. Luís busca outra ausência, procura o que não se vê, o que não há, o que é anterior à existência e à própria luz, e encontra a força das palavras e sua correspondência nos matizes de luminescência da cor. Empreende outra 'pedagogia do olhar' tal como proposto, desse lado do oceano, pelo mestre Affonso Romano em seu livro 'Desconstruir Duchamp'.
Para Lippe, as palavras são os tons e semitons de nossa própria passagem, de nosso percurso sob as infindas combinações e incidências de luz e sombra e, desta forma, numa percepção estética que caminha para além da luz, seus poemas são repletos de sentido e referências filosóficas, semióticas, metalinguísticas e artísticas. Captura-se a luz que se refrata em cor, a luz que se filtra em nós e se transforma em palavras, até que a ausência de luz desça a cortina da noite sobre o texto e se transforme em nova página em branco.
E assim como luz e sombra, vida e morte, são cíclicos binários e alternados, Luís Filipe germina, fecunda e termina sua tela do mundo com a reabertura eterna:'de novo o branco da página há de conjugar-me', 'de novo o branco da tela há-de colorir-me', 'pintura a pintura', 'estrofe a estrofe' (em 'epigrama de um começo')
Após ouvir os sons, o ritmo, a música da palavra - essa arte entretecida em negro e branco - e absorvê-la em silêncio, também eu busco a continuação, me perscruto num universo de emergências e luz, inesgotável de tinta e palavra.
Quem disse que o verso morreu?

Paula Cajaty

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

ECO AO MEU LIVRO A TELA DO MUNDO DA POETA/ESCRITORA BRASILEIRA PAULA CAJATY


Lippe, já abri teu livro, algumas vezes, como se fosse jóia, como pérola

que se admira aos poucos. e hoje fiz a primeira leitura, séria e profunda,

palavra a palavra,

estrofe a estrofe

experimentando as diversas vozese

inúmeras entonações que se podem conceder ao texto.

no meio das leituras, acabei escrevendo.

te mando,agradecida.

um beijo,

Paula




SAIR DE SI

sair de si

e encontrar o magma

incompreensível e

anterior às palavras.

esta a verdadeira

ânsia poética.


sair de si

e reverberar em vermelho

sangue que verte da inquietude

nas alvuras plácidas do tempo.

este o verdadeiro leit motiv.

sair de si

é entrever a paz.


Paula Cajaty

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

(Imagem: Paulo Nozolino: Espoliados, Madrid, 2003) PAISAGEM SEM PELE


Exilados da pele.
perfilam-se ausentes os corpos nos coágulos de sombra ao dependuro nos cabides tão pouco amorosos do nosso tempo.
Excluídos do tacto.
nas paredes cruas a desfazerem-se como bocas de cal,
resta a parede rugosa esfarelando-se como papel de cenário demorando-se
entre vazios e vestígios.
Espoliados da carne.
somente uma fiada de casacos como açudes retendo as faúlhas iminentes
do crematório final.
no chão ruinoso e a mingar espalha-se a luz e o lume
e acima do chão os casacos não são marcas de luto
são a cruel paisagem sem pele,
paisagem da morte que já roeu os ossos
e aguarda a decomposição dos tecidos e da triangular madeira que os mantém
até que se tornem pedra e mortalmente tombem
iguais a estéreis e fétidos túmulos.
Evadidos da matéria.
os casacos mostram apenas como os corpos que os vestiram
se afeiçoavam à morte exibindo o desamor dos lutos.
Expatriados do ser.
close-up: a parede no lugar da pele.
luís filipe pereira

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

POEMA MEU ESCRITO EM AMARANTE HÁ MAIS DE 10 ANOS, reabilitado pela Prof.ª Dr.ª I. Clemente (imagem Joana Vasconcelos)


Será que se lembra disto? Será que o guardou? Que o não perdeu? (professora I. Clemente)




Sombra

caverna ainda

muda plenitude de uma folha

em branco


Sobre o Tâmega debruçado

um olhar perfurado

pela ardência da página

pelo peso

inefável do branco


Sob a crispada orla

de um lápis

gritos de formas

aquietam-se

e precipitam-se

numa vetigem de sombra


no miolo des

feito

dessa cumplicidade branca


branco em branco

a sombra

o grito riscado

a fissura de uns lábios de rio

numa visão táctil


branco

branco

(brancosombra)

já manchado da castanha tinta

afiada em cascatas

afluindo de pupilas apagadas.


Chamou-lhes, a este e aos outros, "seis arremedos de poemas" (Professora I. Clemente).



luís filipe pereira