quinta-feira, 8 de outubro de 2009

AZUL ÓSSEO

(Este meu poema acaba de ser publicado na Revista de Poesia Saudade: n.º 11, Junho, 2009. A oportunidade de voltar a colaborar em tão prestigiada Revista surgiu do convite do Poeta António José Queirós, director da mesma, a partir do seguinte repto temático: O Azul. Além do poema que aqui partilho com todos os meus generosos leitores e intertextuantes, permito-me destacar a colaboração neste número da revista de Poetas como Amadeu Baptista, Ana Luísa Amaral, A. Cândido Franco, António Salvado, Fernando Grade, Fernando Pinto do Amaral, João Rui de Sousa, Jorge Reis-Sá, Luís Quintais, Pedro Sena-Lino, Pompeu Miguel Martins, Xosé Lois García, entre vários outros)
Correm-me os ossos antes do cristal
e da fuligem
Desaprendo o meu rosto na fronteira
do espelho
em que lavam os homens o sorriso
ou outra coisa que não a face.
No fémur no esterno da página de mim
encontro um animal fulminado,
sua azul cartilagem de extinto hélio
exposta igual a ninhos de aço
Os ossos a trote num vão retardamento
de galope
fervem no cálcio calcinado
de faíscas
de fisgas
de relâmpagos.
A luz ausenta-se do espelho
esquia a seara
alçando-se na incerta parte
do fogo que usurpa a noite pela casa
O tempo azul recua em mim
caranguejo a cegar os meus passos
Submeto-me às suas inclementes paliçadas
às suas garras
às suas jaulas.
Se os ossos trepassem os caules
emboscados pelo vento
apodreceriam os frutos
num celeiro de carne
numa eira de cinza
ceifada por muros
por musgos.
Herdei os ossos e com eles a morte
para nela habitar
no horizonte das lajes em que os ossos
por muito que corram,
cavalos a subirem-me as entranhas,
já não projectam a cor audível
de uma sombra.

9 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns por esta magnífica construção poética. Um poema que não pode deixar de interpelar-nos, pondo-nos assim, de uma maneira sublime, diante da finitude na sua dureza óssea e neste "Azul ósseo" escuta-se (como se escuta!) a "voz do silêncio" de que falava Malraux.
a ler, a ler e reler.
S. Lopes

Anónimo disse...

A cor audível de uma luz intensa, dura, dolorosa ou sublime em sentido kantiano: assim me encanta este poema.

D. nascimento

Anónimo disse...

Impressivo trotar dos ossos, movimento duríssimo desde a sua reverberação à sua sombra ausente.
lancinante pela riqueza fabulosa de imagens e pela construção perfeita. UM poema extraordinário!

J. tordo

Anónimo disse...

Herda-se um esqueleto que caminha, corre veloz. O tempo azul recua. Os ossos fragilizados e corroídos, pelas intempéries, suspendem o movimento: "Herdei os ossos e com eles a morte".
Silêncio.
Ausente a sombra.
Dói.

Excelente leitura, Luís Filipe Pereira. Obrigada.
F.Apoli.

luís filipe pereira disse...

Caríssimos leitores & companheiros deste humílimo espaço de intertextualidades, muito obrigado pelos ecos a este poema, aos varigados modos como ele vos terá tocado.
com afecto,

filipe

Anónimo disse...

DÓI, porque quando a poesia tem esta força, esta Verdade, este poder de emocionar, dói. Lindo o poema, não imagina como lhe agradeço ........................

Admiradora verdadeira da sua admirável poesia

Anónimo disse...

Li com gosto a Revista Saudade. Em tons poéticos de azul li bons poemas de autores que são publicamente consagrados. è Justo, muito justo que o sejam, penso em Ana Luísa amaral, Pedro Sena-Lino, Fernando Pinto do Amaral, Amadeu Baptista. E li um excelente poema do poeta Luís Filipe Pereira a quem, tão injustamente, falta o reconhecimento público que o seu fazer poesia, que a sua voz singular e riquíssima, tão credoras são. Considero-a mesmo urgente!
Não desista da sua obra, isso nunca! A sua poesia é fascinante, Parabéns.
P. Mourão

Tere Tavares disse...

Estamos todos à mercê do tempo; este sim, sempre de audíveis e quase incompreensíveis mesuras.
Não cabe medí-lo, entretanto, quiçá vivê-lo. Belo poema Luis Felipe. Parab´nes

luís filipe pereira disse...

Caríssima escritora Tere Tavares, muito obrigado pelas suas linhas de leitura e atenção a este meu poema.
Saudações poética e um abraço cordial deste lado de cá do Atlântico.

Filipe