domingo, 31 de maio de 2009

LARANJAS DE MAIO (dedico este poema a todos os que vieram até ao meu blog colher os frutos de maio)

imagem de joão Werner/2006


Amanhã

Quando vier o vento

Deslizar na ave de água

Adstrita à madrugada

Seguirei o som das laranjas
Sob o sol macio de maio


Amanhã

Quando cair a janela

Como folha desfeita

Na foz dos dedos

Encontrarei nas ervas

Uma jangada de verdura

Afagando-me os joelhos

Ficarei com os fios dos jardins
Amá-los-ei no poema com os periféricos
Pulmões dos nomes
Dóceis de árvores


Amanhã

Entre os gomos do mar

Cerca dos corais das laranjas lentas

E os polegares

Que inclinados no ígneo vento da voz

Irão percutir

Pingo a pingo

O bando de águas

Que virá beber

Nas cascas vazias

Dos meus bolsos
luís filipe pereira

quarta-feira, 20 de maio de 2009

VERDE FOGO DE FRUTO

imagem:
Magritte, «filho do homem», 1928




Árdua arde a árvore
Inclina-a o vento
Por detrás da língua


Estes versos são uma flâmula diluída
E dentro da lava verde vejo ao longe
Purpúreos os pulsos
Iguais a vespas requeimadas
Felizes de ser tão fácil o fogo

Peguei nos ramos e nas metáforas dos rios
Molhei-os com elas e neles fui escrevendo os frutos
Nos hortos húmidos da palma da mão
Nessa pátria de lume de palavras e pálpebras


Dentro do incêndio
Sou sangue incólume
Labareda ladeada pelo vento
Em que ocluso é o verso
Num sempre oblíquo
E sequioso olhar
luís filipe pereira

segunda-feira, 11 de maio de 2009

UM RIO EM MEUS OMBROS

IMAGEM: Henri Cartier-Bresson, 1952/Paris




dedico este poema à Poeta Fabrícia Muniz


Neste ombro de rio
Germina a noite as suas estrelas
Agarro-as com a lenta mão da chuva
Em cincos dedos doridos
de chumbo

Uma omoplata de água num arame
Que ondula e me oferece impalpável
O pulso

Neste ombro de rio
Que ponho nos meus ombros
Eu transfiro a traqueia do vazio

Mas a mão vê como um nervo mudo
Que nenhum rosto resta rente ao espelho
Quando esvoaça o alcatrão rumo às estrelas
Com a violência de um vulto
De uma vértebra
Que bóia vacilante na minha boca
Como um vagaroso círculo

Só neste ombro de rio
Na radícula de sede dos meus ombros
Livres límpidos
Lestos para a cinza
Coada no paladar da noite
Encontra a mão a memória na água inclinada
Subindo no que sobra de luz e de lume:
Torrões tardios como um tiro

luís filipe pereira