terça-feira, 28 de abril de 2009

BRANCO



cor da espera. das montras entaipadas. da mudez de um porto
submerso.
halo. bandeira despintada em peito aberto numa secura de esterno que não sangra.
roda.
roda do sono mais roda do que sono.
cor da extenuada tentativa de reter o riso num retrato onde se mede a distância.
o silêncio requeimado num estio de veias.
punção.
um solo de piano arranhando o contorno de um «por enquanto», o contorno
do som de uma lâmpada.
cor fria do que em nós carece de rima na linha estreme que é a véspera de dedos.
do que em nós carece de um grito. ou de um remo.
cor da ausência dos dias longos que marcavam no odor das atérias uma lua.
uma aritmética de ternuras com os números interiores da água.
branco.
essa cor do monólogo do remorso e do limo: a imobilidade.
branco.
os fios encontram o seu interior. cosem-nos enquanto a sombra é o peso
de continuarmos à espera.

luís filipe pereira

13 comentários:

Anónimo disse...

Belíssimo, caro Luís Filipe P., este modo como reflecte, poetiza, o Branco, o modo como o associa a uma atmosfera que mais do que psicológica, transfunde os horizontes para assumir uma vibração ontológica sob o signo da espera. A tonalidade disfórica do branco, faz entrever a limitação, uma cegueira que precipita o começo e logo o retarda. Belos os fios do texto, a tessitura literária.

abraço

M.C. Tavares

Anónimo disse...

em recente memória " neste comboio de cordas o poeta é um fingidor, finge a dor, a dor que deveras tem". que o branco, ainda que deveras branco, seja luz refractada em linhas multicor que pautem a página de um final com retorno a um porto de partida do desenrolar de um novo caminho. rui

Anónimo disse...

"o contorno do som de uma lâmpada", maravilhosa imagem num texto que é Luís Filipe Pereira!

obrigado.

J. B. Machado

Anónimo disse...

"uma aritmética de ternuras", assim também tenho acompahado deslumbrada a magia deste seu blogue em que as palavras, a literatura, sempre maior, se cosem tantas vezes às imagens com uma depurada escolha que reflecte uma forte e genuína afinidade electiva.

A. ;Mendes

Anónimo disse...

"os fios encontram o seu interior",tecem a maravilhosa escrita do Filipe, mostram a sua bordadura.............onde nos levarão os fios de tão fortíssima e bela literatura?

M. S.

Anónimo disse...

"punção", fio a fio, o texto trepana, vai à medula das imagens e sua zona de transformação, então os fios enredam-nos, a nós leitores, cosem-se també. Lindo, lindo.

Mafalda Cruz

Anónimo disse...

O Prof Ant. Saraiva tem um ensaio à antologia Matéria de Amor (de Ramos Rosa), fala dos brancos do Poeta, neste texto, Caro l. f. pereira, eis os seu brancos, suas modulações em que se refractam tropos lexicais que lhe são viscerais: cal, muro, nuvem, outros tantos de imobilidade, repouso, provação de obstáculo que o fogo do verbo ateia, pois, em seus textos, é possível a possibilidade, a paleta infinita.
M.

Anónimo disse...

A cor branca, ou simplesmente o branco, é a junção de todas as cores do espectro de cores. É definida como "a cor da luz", em cores-luz, ou como "a ausência de cor", em cores-pigmento. É a cor que reflete todos os raios luminosos, não absorvendo nenhum e por isso aparecendo como clareza máxima

luís filipe pereira disse...

A todos, caríssimos amigos e intertextuantes, muito vos agradeço a gentileza de frequentarem este meu/vosso blog. Sejam sempre bem-vindos. Agradeço-vos a generosidade de tão incentivantes ecos.

luís filipe pereira

Anónimo disse...

"cor fria do que me nós carece de um remo/ do que em nós carece de um gesto/ mas que é também uma aritmética de ternura"

Consigo, Filipe, mergulhamos num universo branco, expresso no seu modo único de usar a palavra.
Deslumbramo-nos

Salica

luís filipe pereira disse...

Cara Professora Isabel Clemente, Querida amiga, muito obrigado pelas suas palavras, doutas palavras que mergulham no branco, nesse branco do que escrevo e que meelhor que ninguém a Professora sabe e sente, por dentro, au dedans.
A amizade inteira
filipe

Anónimo disse...

LFP

Um novelo branco sobre a página branca.
Um novelo. A vida que vamos desfiando. Metro a metro. Os nós que tentamos desmanchar com mil cuidados para não partirmos o fio da vida.
A brancura fria e dura.

“cor da espera. das montras entaipadas. da mudez de um porto submerso.”
”halo.
bandeira despintada em peito aberto numa secura de esterno que não sangra.
roda.”
”roda do sono mais roda do que sono.”
”cor da extenuada tentativa de reter o riso num retrato onde se mede a distância.”

“essa cor do monólogo do remorso e do limo: a imobilidade.
branco.
os fios encontram o seu interior. cosem-nos enquanto a sombra é o peso
de continuarmos à espera.”

… … E o novelo vai-se desfiando, até encontrarmos o seu interior.
E os fios cosem-nos enquanto a sobra é o peso de continuarmos à espera.
E, quando o fio termina, apenas fica o tubo cinzento de cartão reciclado, com o interior oco.

Querido Luís Filipe,
Professor,
Mestre

Levei tempo a ler este poema. Precisei de tempo para desfiar os seus fios. É que encontrei tantos nós para desatar.

Continue, LF. Como é bom o tempo que se perde a desatar nós dos seus poemas!

Como é triste o encontro do último resto do fio com o tubo oco que o suporta!

Amiga, Sani

luís filipe pereira disse...

Cara escritora Maria Saturnino,
Querida Amiga Sani,

fico-lhe, fundamente, grato por ter deslindado os nós e levantar um fio de leitura que muito enriquece, esclarecendo-o & iluminando-o, este meu texto. Com que minúcia e sabedoria o leu e transferiu a continuidade linear de um fio branco, nem sempre a prumo, para um entrelaço de nós em que se fixam as imagens e os sentidos e nesses eixos nodais sobrevivem, porventura só enquanto diferem, adiam, como diz, "o tubo cinzento do cartão reciclado".
Muito obrigado por uma leitura tão rente ao que tentei transmitir neste texto.
meu afecto e admiração,
filipe