quarta-feira, 10 de junho de 2009

AGORA EM MEUS DEDOS ONTEM

(dedico este poema à Professora Doutora Isabel Clemente)
Imagem: E.Hopper
Do mar recebi, mansa como a maçã sobre a mesa,

uma epístola a franzir o farol fiel dos meus medos.

Cerrei a casa. Voltei para o centro da carne as cortinas.

Como versos as descosi depois. Agora, no seco sabor

em mim dançando, dedilho a rebentação das roídas

margens: de folhas, como feixes de dores e de esquinas,

em que espreito a cerzida derrocada das espumas.

Fechei o vento. Depois o vidro. O farol fiel estremeceu-me

as têmporas. Tenra, a maçã balança na trança epistolar:

agora é apenas a mesa e o medo: crepúsculo contra o crepúsculo.

No puro arbítrio das águas preparei no sangue a batalha.

Na polpa dos dedos tresleio agora o pretérito porvir de tudo.

Banhei-me no mar, lento levantando-me nas macieiras,

e ávido arredando-me dos baixios, para que um sol de bojo largo

permanecesse hausto e haste, agora e ontem, no lugar de sempre.
luís filipe pereira

9 comentários:

Isabel Clemente disse...

O sol, hausto e haste, aí, permanecente. O vento fechado. O mar, manso como uma maçã sobre a mesa. Os dedos a tresler futuros.
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As imagens de Luís Filipe, o mundo que vai desenhando- olhar e tela. O seu modo único de ser poeta, a sua linguagem, só sua.
Mais um belíssimo poema.
Obrigada Filipe

Isabel Clemente

Anónimo disse...

interior/exterior, intemporal, a poesia brota na polifonia do lugar, como fruto que nos alimenta e farol que nos ilumina. rui

Anónimo disse...

Querido Amigo,

Acabei de chegar de Berlin e abri o correio. Pensei, será que o LF escreveu mais qq coisa?

"Banhei-me no mar, lento levantando-me nas macieiras,

e ávido arredando-me dos baixios, para que um sol de bojo largo

permanecesse hausto e haste, agora e ontem, no lugar de sempre"

De facto havia!
Mas não qq coisa!
Havia o mar que vejo da minha janela, havia uma sonata de Chopin (?), e essa tal qq coisa que não sei
se é música,
se é poesia,
se é mais uma pincelada na Tela do Mundo.
E, por associação de ideias, depois do que a Professora Isabel Clemente disse, recordando Lamartine,

Que le vent qui gémit, le roseau qui soupire,
Que les parfums légers de ton air embaumé,
Que tout ce qu’on entend, l’on voit ou l’on
respire,

"Que tout ce que tu écrit
- Louis Philipe - c'ést poésie!

Com muita admiração,
Sani

Anónimo disse...

MARAVILHOSO!
Repito-me, mas é o que sinto quando leio os seus poemas e, mais, quando os releio e releio: àvida o lei-o caro Poeta e sempre com novo encantamento. Este poema é mágico, L F P (luz, fulgor, palavra)-
J- morais

luís filipe pereira disse...

Amigos, caros intertextuantes, generosos companheiros do sol que, de forma humílima, tento escrever como quem precisa viver,

obrigado pelas vossas palavras que são, para mim, mais sol, mais escrita, mais vida.

grato pela vossa partilha: é vosso este espaço, este topos aberto.

filipe

JOSÉ RIBEIRO MARTO disse...

corrente e belo a cada passo : imagem , alusão ...
Belo , um prazer ler !
cordialmente !
__________ JRMARTo

Anónimo disse...

é no "centro da carne" que buscamos, afinal, o "largo bojo do sol", no avesso das cortinas, na abertura que é hausto/hiato interior-exterior.É Lindo. Fundo.
Bem-haja: sua poesia é fascinante.

M. João Rodrigues

Anónimo disse...

admirável o jogo de oxímoros, a precisão com que recorta o interior do exterior e a este devolve aquele quando, enfim, se entreabre a janela, a casa da linguagem (tão sua, tão ímpar), ao "bojo largo do sol. Parabéns, L Filipe Pereira.

L. Mourão

Anónimo disse...

Graças ao teu Blog e ao teu livro ganhei,no minimo, um novo ponto de vista sobre a leitura...

Miguel Silva