somente chegar
ao promontório dos lentos lenhos
da língua,
margear o destemor dos destroços
aéreos
da música:
chegar ao limiar do vento.
com o mar
pudesse eu obliquar
para as vértebras primeiras das ervas
aprumando-se até à uníssona traqueia
de esguios troncos de lume
em que enlouquecêssemos
numa veia de luz.
somente esta vontade de ver
em teus lábios,
iguais a frágeis bagas do fogo mais bravio,
destilar-se a verde espiral dos dias eriçados.
segredar a esmo as eiras de sede dos desertos
e ficar, inexterminavelmente, voltado,
como árvore horizontal
na chama do horizonte,
para a embocadura ébria dum verso.
permanecer em teus ramos
com pálpebras de vento
cingindo-nos.
somente chegar à ribanceira,
sem cordas,
e vencer o rio de terra da tua voz
à tona das rajadas,
atingir a mais arbustiva água:
sombra que desenhe o sabor
do fruto prometido.
luís filipe pereira
36 comentários:
Parabéns pela extraordinária construção poética. A sua poesia, sempre fascinante, sempre heurística, lindo este "Percurso" em que "cingindo-nos" as palavras traçam etéreas margens por onde voga um amor maior.
T. Cadete
"Chegar ao limiar do vento.
com o mar
pudesse eu obliquar
para as vértebras primeiras das ervas
aprumando-se até à uníssona traqueia
de esguios troncos de lume
em que enlouquecêssemos
numa veia de luz."
Fascinante construção dos versos!
Um abraço
"com pálpebras de vento" como veria melhor o esplendor etéreo de versos verdadeiramente antológicos que o poema reverdece como árvore aberta.
Minha admiração,
J. Tordo
"permanecer em teus ramos
com pálpebras de vento
cingindo-nos"
belíssimo poema,
"mafalda mimoso" excelente escolha
para ilustrar uma inspiração.
grande abraço!
Como Paráfrase a um poema de Sophia de Mello B. Andresen, diria que o comentário vai em vez desse postal (...) - Entre as compras de Natal /para ligar o eterno a este dia" em que tive o privilégio de ler a sua poesia.
A. L. Amaral
Poesia, musicalidade e fruição.
Lindo esse seu mundo, sua paisagem.
Luiz Ramos
PS.
Agradeço a sua visita e volte sempre. Eu voltarei.
A todos os intertextuantes, os recém-chegados, os que são presença assídua e generosa neste espaço, muito agradeço.
Em especial, agradeço a cedência da Foto para publicação neste blog da artista Mafalda Mimoso.
Saudações poéticas,
filipe
Na chama do horizonte, deitada, consigo ouvir ramalhar...
Belíssimo poema acompanhado de uma bela imagem.
Mais um lugar/poema - exemplar - no seu belíssimo, inovador "Percurso" poético.
Os maiores Parabéns. Obrigado pela partilha de recantos mágicos do seu percurso literário.
M. Seixas
Um poema que parte da imagem, imerge no seu plano, e devém caleidoscópio de mundos de sentido,extraordinário como poetiza o amor sob o signo do ar: um amor de horizonte pleno de arborescências imagéticas, sonoras.. fantástico poema!
B. Pinto de Almeida
Caro Filipe,
Os meus parabéns por mais um poema de elevadíssima sensibilidade. É um prazer poder, através deste blog, continuar a fruir da pura arte que é a sua escrita.
Um abraço de admiração
A l e p h
Eis-me muito grato pelos vossos ecos. Muito obrigado e bem-vinda "Anaquariana" a este espaço comunial (muito me sensibilizou o feedback moroso e generoso que me fez chegar a tantos textos que têm nascido neste meu espaço, muitíssimo lhe sou grato). Caro Aleph, retribuo-lhe a minha admiração e é sempre um prazer imenso sabê-lo neste meu modo intertextual de estar "vivo e escrever sol". A todos, grato.
filipe
Há todo um "Percurso" neste seu blog com um elo vivíssimo a cingir todos os textos - este poema: uma atestação mais -, além da variedade e riqueza próprias de cada um: a extrema qualidade literária, um compromisso incondicional com a linguagem, esculpindo-a sempre. Um espaço "hors-texte", no mais pleno e salutar sentido, na dita "blogosfera". Que continue partilhando assim esse "Percurso". Com admiração.
P. Coutinho
Magnífico este Elemental Poema.O modo como a palavra convoca os sentidos todos, Parabéns.
A. Donário
o poema: extensa "eira de sede dos desertos", bela e densa ideia, magnífica imagem poética e metapoética. Parabéns.
A. Queirós
"chegar ao limiar do vento.", chega assim, pleno de ar o poema e chega-nos com a mais vibrátil textura aérea.
Um poema excepcional.
Parabéns.
T. Peixoto
Quanta intensidade num poema que, a partir da imagem, além dela, recorta o espelho de água de uma "poesia vertical", altíssima.
J. L. Quintais
complementaridade (as)simétrica na cumplicidade de um percurso. "cingindo-nos". rui
Renovadamente agradeço as vossas ressonâncias a este poema, comentários generosos que amplificam a "câmara de ecos" (R. Barthes) deste espaço de partilhas intertextuantes.
grato
filipe
Nós sim, lhe estamos gratos pelos extraordinários momentos de grande Poesia que tem a soberana generosidade de partilhar connosco.
T. Cadete
Percurso/percursos. Promontórios de lentos lenhos, não apenas iss. Também ervas e lume, que é tronco esguio. Também dias espiralados. Percurso/percursos por desertos e mares e embocaduras de versos.
Que extraordinário poema. A ordenação musical da palabra torna-se cada vez mais rica. Apela-nos e somos nela.
Parabéns, mais uma vez, Luís Filipe
Salica
Professora Doutora Isabel Clemente,
a si, sempre de maneira especialíssima, agradeço os ecos e as espirais de sapiência e afecto que eles sempre transportam.
A Amizade Inteira,
Filipe
Neste poema desejo destacar um dom: o de metamorfosear o signo referente num manacial de signos outros (visuais, musicais...) que levam o olhar para referentes insuspeitados, em virtude da grandeza polissémica que o Poeta coloca no modo como burila as palavras e encontra um lugar perfeito para as sílabas. Parabéns.
G. Candeias
Como de forma tão clara escreveu no seu "Cavalete/lumiar" da sua obra - fabulosa - A Tela do Mundo, o LFP segue a "linha de feiticeira" (g. Deleuze) das imagens de que parte, como espécie de grau zero afectuosamente escolhido, porém distende-a até que a construção textual/poética ganhe vida à solta, autonomia, incondicionalidade: eis como o LFP reinventa a EKPhrasis, como ninguém,por isso tem um sentido mais amplo, riquíssimo, de "intertextualidade":dá-lhe mais sol. Parabéns.
L. Pereira Alves
.
. grat.íssimo luís pela visita aos terraços de um anjo,,, o filho recém.nascido do intemporal .
. permita.me então conhecer o Seu espaço, que no primeiro olhar me é indicador de um léxico inequívoco de uma ascese singular .
. re.voltarei tão breve quanto possível .
. um bom fim de semana .
. um amplo abraço .
. paulo .
.
Caro Luís,
Venho agradecer a sua visita ao Brancamar e as generosas palavras que por lá deixou.
Fiquei deslumbrada com a construção deste seu poema e com a belíssima imagem que o acompanha.
Parabéns também a Mafalda Mimoso.
Tomando como mote os seus dois últimos versos e pelo que me foi dado ler, sinto que esta é apenas uma sombra que desenha o sabor... de muitos frutos prometidos, que penso vir colher assiduamente na árvore da sua sabedoria.
Deixo um abraço
Branca
Os seus poemas, Luis Filipe, os seus poemas!
Têm de ser lidos devagar.
têm de ser relidos uma vez e outra.
Têm de ser lidos à luz do sol nascente, quando uma cor rosada se espraia preguiçosamente sobre a Ria Formosa.
Têm de ser lidos quando o sol mergulha em sangue no Monte de São Miguel.
Têm de ser lidos à luz da vela quando o céu cor de opala vai escurecendo e deixando ver as estrelas na abóboda do Meu Algarve.
Porque
"
O exílio de ver-te em fuga pelas
fronteiras fere-me no horizonte
da hospitalidade dos teus alvéolos.
Se ao menos experimentasse
escadas entre os escombros."
in Duas rectas definem ..
e
A luz ausenta-se do espelho, esquia a seara alçando-se na incerta parte do fogo que usurpa a noite pela casa.
porque
O tempo azul recua em mim caranguejo a cegar os meus passos
e
submeto-me às suas inclementes paliçadas
às suas garras
às suas jaulas.
in: AZUL ÓSSEO
Mas
se quiser queimar essa ausência
nas imediações do lume,
no diâmetro livre da luz,
sei que não foi em vão.
in: NOCTURNO
Porque a sua poesia captou a luz com que vai pintando poema a poema essa imensa
TELA DO MUNDO.
Com a admiração e amizade da
Maria Saturnino
Caríssima escritora Maria Saturnino,
estimada amiga Sani,
fico deveras emocionado com as suas generosas palavras, muito lhe agradeço este percurso que tem a gentileza de fazer pelos últimos poemas que tenho publicado neste espaço que tanto vive do ânimo que nele a Maria Saturnino insufla. Bem haja,
Filipe
Leio deliciosamente os seus poemas, que tesouro tem este blog dentro.
J. Tordo
a orografia
do verde
lume
[reflexos
do corpo-
vaga]
*bom-fim-de
semana*
Maravilhosa a surpresa, o encantamento que senti com a descoberta deste espaço de par em par aberto ao amor pela palavra. Poesia arbustiva: de água superior.
Este é (também) um grande poema.
voltarei.
A. Vaz da Silva
Texto e imagem se complementam a formar murmúrios e luzes.
Feliz Natal
Luiz Ramos
Chega-se sempre ao promontório da língua poética, lendo os seus poemas sublimes, intensamente (bem)urdidos, poemas de "água arbustiva".
Obrigada Filipe,
Inês
Magnífica poetização da imagem: reabilitar a dimensão ecfrástica cumprindo-a magistralmente: o LFP tem, absolutamente, o dom da EKPHRASIS.
Parabéns.
A. Baptista
Impossível não agradecer-vos a todos tamanha gentileza, generosidade: cenas vivas, "cenas fulgor" (à maneira de M G. Llansol) que tingem e enobrecem o que concebo como intertextualidades: tão solares, as vossas. grato, filipe.
Caro Poeta,
Segui a linha que equilibrava os versos e vim ter nesta viagem intra, ultra e transversal, e perdi-me em meio à qualidade da sua poética - dom perceptível que lhe flui dos dedos; talento para tatear a palavra certa, a palavra bela.
Grata pelo comentário e a observação. Honrou-me seu olhar sobre meu texto.
Um abraço desta aprendiz e admiradora dos verdadeiros artesãos da palavra, como você.
Katyuscia.
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