segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

UM ECO NA MÃO

imagem: Jorge Molder




porque chega, improvável e exacta, a tua mão


quando num rumor elíptico se afasta a minha


para desembocar numa secção da luz


em que o centro se rompe,


deixa-me escutar de novo o dividido calor do canto


onde, qual ave, próxima e longínqua, me afunde


porque é tão sumário o sabor da ausência


e tão abrupta a alba da despedida,


deixa-me soletrar nos ressaltos dos recifes


de ancas moventes, macias, reluzentes


onde possa como árvore, verde vírgula, adormecer




porque se afasta a tua mão


quando a tange a minha com os tensos braços da manhã


deixa-me iluminar esta ilha que refulge nas vértebras de um mar


todo fluxo, todo ossuário e ombro, busto azul do abandono


porque conto pelos dedos os dias que agora são dedos de memória


deixa-me agarrar a entoação dos ecos,


essa nervura de ti a que acediam as chuvas do meu corpo


nas vertebrais colunas do ocaso.




luís filipe pereira

34 comentários:

Anónimo disse...

que saudades! Desta POESIA!
......................
Que poema............

que agarra,
que perfura,

que é PERFEITO,

para ler, reler
voltarei.
Teresa Cadete

Anónimo disse...

"com os tensos braços da manhã" acende o Poema os dias feitos ecos que ficam em concha nas mãos que se não fecham, se dão a mãos outras, invocando-as e celebrando-as ainda quando por dentro rumoreja táctil a distância.

Extraordinário POema!

J. Morais

Mel de Carvalho disse...

"porque se afasta a tua mão
quando a tange a minha com os tensos braços da manhã"

de um lirismo ímpar este extracto que destaco, do todo, igualmente belo.

abraço e a minha gratidão pela partilha

Mel

luís filipe pereira disse...

obrigado Caríssima escritora e Poeta que muito admiro Mel de Carvalho, pela generosidade das suas palavras e por esta visita intertextuante, a este espaço de partilha.

muito grato

filipe

Anónimo disse...

"deixa-me iluminar esta ilha que refulge nas vértebras de um mar", obrigado caro Poeta por fazer da poesia um lugar de iluminação, dos versos ilhas ímpares de intensidade refulgente, por nos permitir embarcar neste encontro com a Palavra mais verdadeira, imagética, iluminante.

R. Martelo

Tere Tavares disse...

deixa-me escutar de novo o dividido calor do canto

onde, qual ave, próxima e longínqua, me afunde

porque é tão sumário o sabor da ausência"

Admiro a tua poesia, no seu todo inequívoco de imagens e sentidos supremos. Um abraço amigo.

luís filipe pereira disse...

Obrigado Cara Amiga e Escritora Tere Tavares, por acompanhar de perto e generosamente a minha escrita.

grato,
filipe

Anónimo disse...

"onde possa como árvore, verde vírgula, adormecer"
antológico verso!


Magnífico



João M. F. Jorge

JOSÉ RIBEIRO MARTO disse...

Obrigado pela passagem no meu blogue . È um gosto ler a sua poesia intensa , imagética sempre nova , Poeta !

Um abraço
JRMarto

luís filipe pereira disse...

eis-me grato ao poeta josé ribeiro marto pela gentileza da leitura e generosidade das palavras.
filipe

Anónimo disse...

"nas vertebrais colunas do ocaso" se descobre este poema-pórtico que reinventa de forma sublime a excelente fotografia de jorge Molder, tornando-a Poema, pondo-lhe versos em cada dedo. Excepcional.

G.Cruz

manuela baptista disse...

porque é tão sumário o sabor da ausência

e tão certo o eco
na palma dessa mão


saudando a sua poesia e a foto de Jorge Molder
duas presenças!

um abraço

manuela

luís filipe pereira disse...

a G. Cruz e Manuela Baptista, escritores que muito admiro, agradeço o eco que enobrece este poema

grato
filipe

Anónimo disse...

DE uma profundidade e concreção sinestésica absolutamente ímpares.

Parabéns


M- Seixo

Lídia Borges disse...

Há lugares onde a poesia emerge ao mais breve gesto de uma mão.

Imenso, este poema.

Obrigada!

luís filipe pereira disse...

grato pela generosidade das suas palavras cara escritora Lídia Borges.

filipe

Anónimo disse...

Na mão se desenha densamente a ausência, um adeus que, oximoricamente, é a presentificação da mão que falta e, por isso, no modo como à presença vem, em cruz, a ausência o poema enriquece-se de sentidos e meandros, enriquecendo,-nos, muito.


M. Queirós

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Poeta

IMENSAS as mãos que desenharam esta ausência tão cheia...este soletrar de palavras tão INTENSAS.
Obrigada por me visitar e dar-me a oportunidade de receber um banho de poesia.

Um beijinho
Sonhadora

luís filipe pereira disse...

A M. Queirós e escritora "Sonhadora" agradeço-vos a gentileza da leitura e a generosidade dos ecos que expandem, engrandecem o poema

grato

filipe

Anónimo disse...

Extremamente interessante a fotografia de Jorge Molder.
Fabuloso o poema que nos põe sobre o olhar o jogo da presença-ausência pela metonímia da mão.


parabéns eminente poeta!

B. de Almeida

Anónimo disse...

é imperioso vir, frequentemente, reacender-me no poder ígneo destas palavras; beber deste combustível para o pensamento

abraço
ALExandre
PHelps

luís filipe pereira disse...

Caro ALEXandre eis-me muito grato pela visita, pela leitura e sabe que é recíroca a admiração funda que tenho pela sua poesia pensante,
"parole parlante"

obrigado e abraço


a todos, meu agradecimento.

Anónimo disse...

"todo ossuário e ombro"
magnífica imagem antitética que marca o ritmo do poema alternando entre a carne da presença (ombro) e o esqueleto (osssuário) do abandono.

grande poema!

Inês

. intemporal . disse...

.

.

. gosto de ler.te . pela fulgência com que me acrescentas . sempre .

.

. de mãos dadas à palavra . o teu poema . é perfeito .

.

. um sentido abraço . sempre .

.

. paulo .

.

.

luís filipe pereira disse...

obrigado Inês pela leitura e feedback


obrigado Paulo, cuja escrita admiro profundamente no seu sub-lime blogue intemporal, pela generosidade das palavras entre a reciprocidade de um gosto de nos lermos.

grato

filipe

Anónimo disse...

Esse mar todo, "busto azul do abandono" que se escreve nos traços da memória em plenas mãos abertas ao dizer poético


Cristina M. lopes

Lídia Borges disse...

"porque é tão sumário o sabor da ausência

e tão abrupta a alba da despedida,"

Assim é! Belíssimo poema.

Obrigada

luís filipe pereira disse...

Cristina M. Lopes

cara escritora Lídia Borges,

eis-me grato pelos vossos ecos, pela legente presença.


obrigado a todos

filipe

Anónimo disse...

simbiose extraordinária entre palavra e imagem. Poema que escava na própria imagem da mão as linhas em que se cruzam a presença e ausência, o branco-preto da distância e da saudade, do desejo e da lembrança

Bravo!

T. Peixoto

Branca disse...

Belíssimo poema Luís Filipe, incomentável.

Beijinhos

luís filipe pereira disse...

muito obrigado a todos que trouxeram ecos que tanto enriquecem o poema.

grato a Brancamar, pela gentileza, pela leitura e salutar eco.


filipe

Anónimo disse...

"essa nervura de ti"



poema extraordinário,
mâo-folha
inscrição de ausência
que é presença na modelação
do eco.

bravo.


A. Seixo.

Anónimo disse...

Olá Luís,
Lfm Bernardo comentou a tua ligação.
Lfm escreveu: "Li o poema, mais o outro, e o outro...enfim, todo o blog. Eu, o leitor, fui facilmente seduzido pela dimensão corpórea doss textos, dada a surpreendente organização rítmica das palavras, aliada aos recursos estilísticos e imagéticos que tão habilmente maneja. Aliados à vida, ao desejo e ao prazer, o sofrimento e a solidão têm uma forte presença (percepcionei isso). Ouvi igualmente vozes caladas; ouvi o desespero e a saudade nos soluços contidos.
Face à constante ampliação de prazeres e desejos, de solidões e de sofrimentos, de paisagens simples e complexas, fui levado a remexer nos fragmentos mais escondidos nas profundezas do inconsciente. Parabéns e obrigado pela viagem."

oasis dossonhos disse...

Saudação fraterna. A qualidade, a sensibilidade mm sempre um fogoso aplauso.