segunda-feira, 14 de abril de 2008

Eco de leitura. do (excelente) livro de Rui Nunes, Ofício de Vésperas, Relógio D'Água, 2007 (fragmento)

Ofício de Vésperas: ofício de escrever o halo de lugares. lugares do abandono e da estranheza. lugares dos avessos da criação: lugares de vésperas e das vésperas. da inclemente iminência da queda. da perda. da morte futura no presente dos mortos devolvendo a cegueira ao nosso olhar. lugares sem deus ou lugares da sombra de deus no limiar do seu nome inomeável. lugares do remanescente. dos recessos do resto. o que (nos) resta? sermos "guardiães do abandono". lugares do enigma entre a inconfidência dos segredos e dos destroços. lugares frequentados pelo olhar além da sede irradiando desde a casa (do livro) como eminente/iminente "lugar do esquecimento". lugares incicatrizáveis e tatuados de nódoas (negras/a negro), aí "onde a morte recomeça". lugares que leio junto à evocação do ler/ver o quadro de van gogh Seara com Corvos onde o caminho do campo (heidegger) leva a nenhures. caminho vingativamente debicado pelas desorientadas e vespertinas asas dos corvos retalhando a muda seara. tavez "com uma fome cheia de rancor". caminhos/topoi que se transportam ao longo das esquinas corroídas da escrita para as orlas do exílio. linhas de fuga ou "placas toponómicas num país estrangeiro". talvez seja na figura do eremitério no ávido árido deserto dos nomes e dos rostos que se espacializam as margens de estranheza do livro a escrever. da palavra a pronunciar. e para sempre impronunciável. palavra-cardo. palavra-sede-sede sem oásis prometidos ou consolos terminais. sem fontanários paliativos. sobra a inevitabilidade de pensá-lo com as mãos e as frieiras estiolando os dedos e sobra na circularidade invertida do fim-princípio a impossíbilidade de senti-lo: "como Deus o era para Kant". lugares interminavelmente vésperas do incansável "trabalho da ruína". lugares cercados. onde "a luz é um cerco" que clareia apenas a mutilação dos contornos e a inevitabilidade dos despojos. lugares da condenação à errância de nós. de um nós anónimo ou pelotão de "emigrantes clandestinos" nas vésperas do fuzilamento. lugares de encontro do fundo e irreparável desencontro. "simples encontro de uma dor com uma dor". lugares de fronteiras. de limbo. de hiato. de desbussolados caminhos ao longo dos quais se percorre o convulsivo esquecimento. porque "a memória é um tempo desavindo". lugares estilhaçados no estilhaço de desenhos rasurados pelas vésperas do medo. porque "é tão breve a pausa do sentido"...................................................luís filipe pereira...........................................................................................................................................................................

1 comentário:

Anónimo disse...

Rui Nunes oferece-nos uma escrita de lugares invisíveis a olho nu, para que os observemos como microcosmos ampliados. estes espaços têm uma relação orgânica e promíscua com as personagens que neles deambulam (ou melhor, erram), encetando topoi de uma "ostraniene" que se agudiza à medida que o leitor mergulha nos meandos das narrativas de R.N.
Tudo tem um nome e o estilhaço é pulverizado em nomes do nome "os nomes são um luxo que os jardins albergam nos canteiros" (p.16). São zooms que oferecem ao leitor uma anagnorisis escatológica, um tremendo enredo entre uma ontologia desfocada e "o medo de Deus".
"que palavra falta neste jogo?
que palavra é a falta neste jogo?" (p. 41)

Parabéns pelos teus (também) estilhaços. São silêncios efervescentes, magmas quase.
Bri