sábado, 31 de maio de 2008

VOAR PARA O MAR com Bernard Descamps


entre a turbina transparente de uma harpa e o azul anzol do horizonte, amplias o corpo para outra morada.
(à tua frente uma líquida porta que espadana como lume?)
tens nos braços as guelras do espaço que propagam o estrondo dos teus pulsos entre os filamentos das águas.
(escutas o grito inaudível dos peixes vibrando como pedras volúveis?)
mas é nos filamentos do teu sangue que teces os fragmentos do tempo. mas é na desocultação do voo rente à dança das vagas vocálicas que recortas o amor. mas é no círculo do teu corpo que o mar movimenta a sua música macia.
(persegues a voz das vagas que te perseguem?)
tens a rebeldia da luz e da proa. a silhueta de água nos teus dedos desfaz a nuvem do teu nome. atravessas os navios da solidão. escavas as escotilhas onde o olhar extasiado dos náufragos alastra entre as orlas evanescentes dos teus ombros.
(o mar é a latitude da tua sede?)
segues o rastro subtil de ínvias transparência: lágrimas invisíveis troam no teu abraço flutuante.
em ti, se partires, se voares para o mar, o tempo volta à imortal voltagem das vagas. procura-te o mar que tu principias.recrudesce a espuma para a tua e minha esperança. tens o milagre do mar a percorrer o teu peito. tuas mãos são vazias. tuas mãos tão irreais. as tuas dedadas de água são lume e são lâmpada nos meus lábios.
(visto que voas para o mar, por alguma líquida razão, na desrazão do teu voo escrevo: o mar existe, uma ilha canta no teu corpo ileso).
luís filipe pereira

13 comentários:

Anónimo disse...

Um texto que é pura água iluminada.
Fantástico. Parabéns.
Inês Oliveira

Anónimo disse...

Que grande Díptico. 2 voos dentro do voo impressionante da sua escrita. Parabéns!
Isa de Guimarães

Anónimo disse...

Quem voa Filipe? A imagem ou o texto? Voam ambos porque voa o autor do luminoso texto. É o autor que possui as palavras ou as palavras que se vivem no autor?

Salica

luís filipe pereira disse...

Professora,muito lhe agradeço o modo como as suas palavras são nobilitantes para este meu blog, este topos de partilhas: intertextos e interafectos.À sua interrogação, com a radicalidade de quem lê por dentro, respondo:as palavras vivem no autor, como organismos crescem sob a pele do meu corpo e emigram para o corpo mais volúvel das palavras. Os signos irrompem como seres ou filamentos da minha fisiologia de legente, de vidente, de escrevente. a mão que escreve. a mão que vê.

Anónimo disse...

o texto, mais um e sempre com uma frescura e intensidade renovadas, é maravilhoso. Este seu blog, onde voo, onde vejo, onde leio, onde me renovo, é, cada vez mais, uma raridade. Uma casa de literatura excepcional e genorosa, consistente e de extrema "sensibilidade e bom gosto".Parabéns.H.Correia.

Anónimo disse...

(...) Neles prevalece o sangue solar das varandas ávidas

Além da vida
Neles uma fímbria de fogo que a esmo extasia.

Luís Filipe Pereira

Obrigada por esta viagem de palavras. Gisela Ramos Rosa

Anónimo disse...

Luís Filipe,

Desejo-lhe as maiores felicidades para o culminar do seu trabalho que, de certeza, está à altura de todo entusiasmo e entrega que deixa adivinhar nas suas palavras! E que bom ver alargado o círculo ramos-rosiano de atenção à palavra poética numa perspectiva ontológica!

Com um Abraço (já de Parabéns),
Ana Paula Coutinho

Anónimo disse...

Adoro a sua escrita (já sabe...), pontilhada de manchas, de cromatismos, de plasticidade imagética.............Uma qualidade literária extraordinária, uma percepção estética invulgar? a seguir: mestrado em história da arte?
G. M.

Anónimo disse...

Num sossego azul, a azul eternidade.
O ouro e o sal do corpo.(...)
Uma ave branca.(...)
Rumor de ser e de não ser. Ilha ou onda que adormece e respira num rutilante sono.(...)
Água Água luz
e mar sem nome e mar com nome,
consciência que arde na serena densidade
e anelante e tranquila é a rosa azul do espaço.
António Ramos Rosa, Amplitude, Facilidade do ar, p. 30

luís filipe pereira disse...

Ana Paula Coutinho Mendes, um obrigado solar:já e sempre a minha admiração inteira, a alegria do "círculo de festa" contra o "círculo de cal" da íntegra afectividade.filipe

Anónimo disse...

continuo a voar. agora sobre o azul . dois voos. no branco e no azul. já me abetece a cumplicidade da página com o mar defronte. o meu voo. a "liberdade livre". rui

Anónimo disse...

É extraordinário entrar num blog como este, que me transporta para o magnífico poema de António Ramos Rosa "O Único Sabor". Filipe, também a sua escrita profunda, criativa e de ostinato rigore, tem um sabor que apena, em sinestesia, para os sentidos todos (não fosse o Filipe um rigoroso estudioso e um originalíssimo intérprete de Merleau-Ponty. Silva Pereira

Anónimo disse...

PURO VOO LITErário. Parabéns de Novo! JPB.